BIRRAS

Quem tem ou lida diariamente com crianças vai ser confrontado, invariavelmente, com o aparecimento das temíveis birras. Seja no supermercado, no restaurante ou no parque todos nós já assistimos ou nos vimos confrontados com birras. Apesar de poderem ser incómodas, difíceis e frustrantes, elas são normais e fazem parte do desenvolvimento. Importante é pararmos para pensar que a forma como lidamos com as birras vai ser impactante no adulto que queremos formar.

Ponto 1. É importante começar pela PREVENÇÃO. Isso vai permitir diminuir a frequência das birras e, eventualmente, reduzir a sua intensidade. Deixo, para isso, algumas estratégias:
  • Tentem prever situações que possam desencadear birras e atuar antes delas se instalarem – p.ex. para muitas crianças, a fome, a imprevisibilidade e o cansaço deixam-nas vulneráveis às birras, pelo que manter rotinas de alimentação, banho, quotidiano e sono são essenciais;
  • Tentem reduzir os alimentos ricos em açúcar ou as bebidas estimulantes pois estes vão aumentar a atividade das crianças e, como tal, a propensão para as birras acontecerem;
  • Proporcionem às crianças momentos de atividade física, seja ela programada (p.ex. uma atividade extracurricular desportiva) ou não (p.ex. uma ida ao parque, um passeio de bicicleta/triciclo), pois ao extravasar a energia que têm, as crianças verão as suas emoções, concentração e humor mais regulados;
  • Deêm espaço de autonomia, expressão e decisão às crianças, tentando ir de encontro às suas necessidades – ao sentirem-se respeitadas, tidas em conta e ouvidas, deixarão de “utilizar” as birras como forma de manifestação;
  • Não comparem as crianças que têm ao vosso cuidados entre si, cada uma é única e tem as suas formas de sentir e de se expressar.
  • Numa fase inicial, às vezes ainda é possível alterar o foco de atenção da criança, distraindo-a com música, bolas de sabão ou truques de magia.
Ponto 2. É preciso entender a RAZÃO pela qual a criança faz birras, sendo que podemos colocar algumas hipóteses:
  • É uma questão de temperamento da criança, enquadrável no seu desenvolvimento;
  • É resultado da forma de comunicação que tem em casa. P.ex. – se a criança estiver rodeada de uma comunicação agressiva e com gritos, ela exterioriza toda essa tensão gritando também;
  • É resultado da vivência das emoções na estrutura familiar. P.ex. – pais que carregam emoções negativas e que as retraem no seu dia-a-dia, podem ver a criança manifestá-las no seu lugar;
  • A criança faz birra p​orque resulta​ – isto quer dizer que os pais, de alguma forma ou cedem ao pedido (mesmo que raramente) ou ficam focados na criança (o que é um ganho secundário da birra), o que reforça o comportamento da birra;
  • As birras tocam numa sensibilidade natural dos pais, que reagem intensa e emocionalmente. Neste caso, quer dizer que a criança encontrou algo a que os pais ou um dos pais é particularmente sensível, sendo este processo inconsciente para ambos. Por um lado, a criança sente que a mãe/pai reagem de forma diferente quando surgem as birras. E da parte dos pais, a reacção é mais intensa precisamente por ter essa sensibilidade. A causa dessa sensibilidade normalmente pertence ao passado dos pais. O segredo está em perceber porque é que é tão difícil para os pais gerir as birras. O que é que isso lhes recorda? Quando eram pequenos gritavam? Tinham liberdade para expressar livre e intensamente a frustração ou eram imediatamente reprimidos?

Há que referir que estas são apenas algumas hipóteses, existem outras e servem apenas para que possamos refletir sobre o que é que está em jogo no momento da birra. Se a razão por detrás dela for o temperamento da criança, e a forma como esta exterioriza a frustração, a zanga e/ou tristeza, então aí a sugestão será ajudá-la a transformar essa forma de reagir noutra. Se a causa for dos pais/cuidadores, é importante primeiro resolvermos os nossos conflitos internos pois só depois poderemos estar bem para ajudar a resolver os dos nossos filhos/crianças.

Ponto 3. Por último, quando a birra já está instalada e não a conseguimos evitar é importante saber qual a melhor REAÇÃO a ter perante ela:
  • Aceitem a criança ​tal como ela é e entendam que naquele momento está a lidar com emoções que ainda não consegue gerir e que a deixam desestabilizada – evitem gritar, insultar, ameaçar ou castigar.
  • Acolham ​a energia que ela está a libertar através dos gritos, choro ou esperneios – para isso é importante perceber o que é que aquele momento representa para nós também.
  • Mantenham-se firmes ​e não cedam, independentemente do que tenha desencadeado a birra – as crianças precisam de perceber que os pais podem ser firmes e consistentes.
  • Ignorem o comportamento da criança e, mantendo um tom de voz baixo e uma mímica neutra, digam-lhe que com gritos e choro não conseguem entender o que ela está a dizer e que, por isso, vão ​esperar para poderem conversar. Depois evitem continuar a falar  pois alimenta a continuidade e intensidade do momento.
  • Fiquem por perto​, mesmo que decidam tirar a criança do “cenário” ou do contexto em que estava quando a birra começou. Levem-nas para um novo local, seguro, neutro e iluminado, e fiquem atentos mas não interajam com ela até que esteja mais calma.
  • Depois da criança estar calma, digam-lhe o que sentiram e deêm-lhe espaço para fazer o mesmo. Expliquem que a birra não serve para que mudem de ideias, mas que entendem que seja a forma que ela tem de se expressar naquele momento. Expliquem-lhe que existem outras maneiras de mostrar o que está a sentir e a precisar.
  • Nesse momento pós birra, pode ser importante ainda mostrar que a birra tem ​consequências, que devem ser lógicas e sempre associadas ao acontecimento.

Acima de tudo, a chave para lidar com as birras são pais/cuidadores capazes de agir com coerência, constância e consequência! Não é fácil mas é possível e, desta forma, vão ajudar a que a criança, gradualmente, encontre outras formas de se manifestar, ao aprender a lidar com determinadas emoções e principalmente com a frustração.

Caso estas dicas não surtam efeito e as birras se tornem cada vez mais intensas, repetidas e agressivas, condicionando o dia-a-dia da criança e da família, pode ser útil consultar um psicólogo infantil ou um pedopsiquiatra.

Comentários ( 2 )

  • Eliana Santos

    Boa noite dra Inês, antes de mais muitos parabéns pelo blogue ❤ estamos a passar essa fase 🤔 aqui a menina Letícia até o choro prende ao ponto de deixar de respirar a fazer certas birras como lhe disse na consulta 🤷‍♀️… percebemos que já só acontecem na escola, talvez porque em casa decidimos ignorar a birra e quando ela percebe que não ligamos vem ter connosco e tentamos agir como se nada se tivesse passado.. claro que tem certas vezes que é impossível não nos afetar e nem sempre conseguimos gerir da melhor forma mas vamos tentado. Vou seguir alguns dos seus conselhos aqui descritos. Beijinhos 🤗

    • Inês Marques

      Sim, não é fácil lidar com as birras. Daí a escolha do tema por saber tão frequente e importante nas vidas de quem tem e trabalha com crianças 😉 Espero que as dicas e conselhos possam a ajudar a atravessar esta fase da melhor forma possível!

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