1. O que é a obstipação (prisão de ventre)?
A obstipação não é mais do que a prisão de ventre. Pode ter múltiplas causas, desde lesões anais, neurológicas, endocrinológicas, metabólicas e medicamentosas (suplementos de ferro e/ou de vitamina D). A verdade é que em 90-95% dos casos a causa da obstipação é desconhecida. Estima-se que seja responsável por 5% das consultas de pediatria e 35% das consultas de gastroenterologia pediátrica.
2. O que é o trânsito intestinal normal?
O trânsito intestinal é muito variável de pessoa para pessoa e ao longo do tempo. Apesar disso, regra geral, nos primeiros dias de vida o recém-nascido evacua a cada mamada. Com o tempo, isto vai mudando e o n.º de evacuações da criança por dia vai diminuindo. Assim, algumas passam a fazer uma vez por dia ou até menos, enquanto outras se mantêm durante muito tempo com várias evacuações diárias.
3. A que sinais devem estar atentos os pais?
Quando surge dificuldade em evacuar o importante é estar atento aos sinais: a crianças faz força, fica vermelha e chora intensamente, apesar das fezes até muitas vezes serem semilíquidas/coalhadas. Trata-se de uma descoordenação entre o ânus e o reto: a criança faz força para evacuar mas o esfíncter anal não abre.
Consoante a idade, a causa para esta descoordenação vai variando. Nos recém-nascidos e lactentes deve-se à imaturidade, tratando-se de um mecanismo reflexo que vai sendo resolvido e ultrapassado. Nas crianças mais velhas parece estar associada ao desfralde: com o medo de evacuar nas cuecas ou no bacio/sanita surjem muitas vezes comportamento de retenção.
4. Como devem proceder os pais? Que tratamentos são recomendados? Os laxantes, os clisteres e os supositórios de glicerina estão incluídos nesta lista?
Costumo dizer aos pais que a ajuda deve ser feita através de uma série de degraus de tratamento que vamos subindo ou descendo, consoante as medidas forem ou não resultando:
1) Massagens na barriga – com movimentos no sentido dos ponteiros do relógio e/ou de cima para baixo; o ideal é fazê-las todos os dias e numa altura em que a criança esteja relaxada, pois a massagem, além de permitir um momento de interação com os pais, surte mais efeito se for feita de forma preventiva e não apenas no momento em que queremos que a criança evacue;
2) Movimentos firmes de flexão e extensão das pernas e coxas sobre a barriga (tipo “bicicleta”) – as indicações relativamente ao momento e frequência são as mesmas que as das massagens;
3) Estimulação do esfíncter anal – sempre com cuidado, pode ser feita de diferentes formas, consoante a idade e o nível de obstipação: através de uma toalhita tocando no esfíncter ao limpar; da ponta de um cotonete hidratada com creme/vaselina; ou de uma cânula de laxante lavada, cortada e untada com creme/vaselina. Caso nenhuma destas medidas surta efeito, e sobretudo em crianças mais velhas, pode ser utilizada a cânula com o seu conteúdo laxante e/ou aplicados supositórios de glicerina.
4) Dieta – a partir do 4º-6º mês, com o início da diversificação alimentar, a dieta surge como uma importante ajuda na resolução da obstipação. A ingestão de água é essencial e deve ser incentivada. A ingestão de algumas frutas (ex.: manga, papaia, ameixa, kiwi, laranja) em detrimento de outras (ex.: banana) é aconselhável. O incentivo à ingestão de legumes e cereais ricos em fibras e outros “truques” como o acrescentar azeite cru aos alimentos após a cozedura são também importantes!
Na maioria dos casos, e a menos que a criança não evacue mesmo, não estão indicados outros tratamentos.
Nos poucos casos em que as medidas anteriores não forem suficientes, ou se tiver dúvidas, deve recorrer ao seu médico assistente. Isto porque é importante confirmar que existe mesmo uma obstipação, que esta não é causada por nenhuma doença orgânica com tratamento específico, e se excluir as causas iatrogénicas (obstipação causada por um tratamento/medicamento).
5. Em que consiste o diagnóstico feito pelo médico? A criança é submetida a que exames?
Na maioria das crianças, a história clínica e o exame objetivo permitem o diagnóstico. Contudo, nas situações mais resistentes e crónicas pode ser necessário referenciar a consultas mais específicas, nomeadamente de gastroenterologia pediátrica, e/ou realizar exames complementares de diagnóstico (ex.: radiografia simples do abdómen, clister opaco, biópsia) variáveis caso a caso.